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sábado, 26 de julho de 2014

A intensificação da Síndrome do Desaparecimento das Abelhas reflete na produção mundial de alimentos, vital para a sobrevivência.

Estagiária Gabriela Troian, sob a orientação de J.G. Alves
No Prêmio Nobel de Física, há 93 anos, Albert Einstein já previa: “Se as abelhas desaparecerem da face da Terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência. Sem abelhas não há polinização, não há reprodução da flora, sem flora não há animais, sem animais não haverá raça humana”.
A previsão catastrófica para aquela época, atualmente, não está tão distante da realidade. Muito além da produção de mel, abelhas são responsáveis pela polinização de 85% das florestas e 70% da produção de alimentos no mundo. Contudo, elas têm sofrido com o chamado CCD (Colony Collapse Disorter, em inglês), ou como é conhecida no Brasil, a Síndrome do Desaparecimento das Abelhas. As causas ainda são incertas, mas as consequências, óbvias.
Este “sumiço” foi notado desde o início do século na Europa e Estados Unidos. E a partir de 2008, no Brasil, com maior incidência no Estado de São Paulo. “Ainda não se sabe ao certo a real causa, mas há estimativas sobre doenças, ciclo lunar, mudanças climáticas e radiação de celulares. No Brasil a maior suspeita é quanto ao uso de agrotóxicos”, conta Osmar Malaspina, biólogo, professor da Unesp Rio Claro e coordenador do projeto de Ecotoxicologia de Abelhas.
Agrotóxicos que têm como componente os neonicotinóides (à base de nicotina) são o inimigo número um das abelhas. Eles não chegam a matá-las, explica o professor aposentado da USP de Ribeirão Preto e diretor do Centro Tecnológico de Apicultura e Meliponicultura do Rio Grande do Norte (Cetapis), em Mossoró, no Rio Grande do Norte, Lionel Segui Gonçalves. Mas segundo ele, “estes inseticidas atingem o sistema nervoso das abelhas, e afetam principalmente a memória”. Resultado: “Desorientadas, elas não conseguem retornar à colmeia, ou quando retornam, acabam morrendo. É como se elas tivessem Alzheimer”, revela.
Foi o que aconteceu com duas colônias de abelhas sem ferrão do meliponicultor Daniel Henrique Marostegan Doro. Ele se dedica à criação de abelhas na cidade de Limeira, no interior de São Paulo, e possui 12 espécies nativas. “De um dia para o outro sumiram as colônias de mandaçaias (Melipona quadrifasciata quadrifasciata) e de uruçu-nordestina (Melipona Scutellaris), que são populosas. Deixaram discos de cria, pólen e potes de mel para traz. Perdi, mais ou menos, duas mil abelhas de um e setecentos de outro”, lembra.
Fortes suspeitas
As motivações para o CCD ainda são incertas, mas pesquisas realizadas no Brasil apontam que a pulverização feita por aviões nas lavouras é a grande causadora do desaparecimento de abelhas em colônias.
“O Brasil é um dos campeões mundiais no uso de agrotóxicos, em virtude das culturas de soja, laranja, trigo, algodão e cana-de-açúcar, por exemplo. Pelo fato destas plantações possuírem grandes extensões, a pulverização por avião torna-se a prática mais comum e barata utilizada pelos agricultores”, analisa o biólogo Osmar Malaspina.
Para fugir desse risco, muitos apicultores e meliponicultores, como o empresário Oswaldo Baldoni, optam por medidas práticas. “Não podemos deixar abelhas em lugares próximos a lavouras, pelo menos três quilômetros, e sempre devemos ficar atento às pulverizações”, orienta.
Apicultor há 32 anos, sendo 21 como empresário do segmento, reconhece: “Aqui na loja recebo muitos clientes que reclamam do sumiço e morte das abelhas. Noto isso há uns cinco anos, e está ficando cada vez mais frequente”.
Reflexos na produção
Se as abelhas polinizam as produções agrícolas, elas são também essenciais na manutenção das áreas verdes. “Acredita-se que mais de 85% das matas e florestas dependam das abelhas para a reprodução das plantas”, lembra o professor Lionel Segui Gonçalves. No final das contas, são parte importante na manutenção do oxigênio que garante a vida na Terra.
Há também culturas que dependem integralmente das abelhas, ou seja, sem elas algumas plantações não se desenvolvem. “Nos Estados Unidos a produção de amêndoas só existe se houver abelhas. Já no Brasil, culturas como a da maça, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, e do melão, no norte do País, não cresceriam sem abelhas. No caso do maracujá, é necessário que a mamangava seja a polinizadora”, ressalta Osmar Malaspina.
Aliás, tanto o biólogo Malaspina quanto o professor Gonçalves relacionam a polinização feita por abelhas com produtividade e qualidade. Quando este “serviço” é feito por elas, os alimentos são muito melhores e em maior quantidade. “As empresas e produtores não perceberam o quanto as abelhas são vitais para a produção de frutos e grãos. Berinjelas polinizadas por abelhas, por exemplo, são muito mais vistosas”, aponta o pesquisador da Unesp Rio Claro.
Perdas
Em cada caixa de abelha-europeia ou africanizada, há mais ou menos 50 mil abelhas. Já as abelhas nativas brasileiras, como a jataí, possuem a média de dois a cinco mil indivíduos na colmeia.
Como as abelhas-europeias são mais produtivas, elas são mais comuns no Brasil e, por isso, monitorá-las é mais viável do que as nativas, geralmente concentradas em florestas.
Com o intuito de auxiliar e identificar os pontos com a maior frequência de desaparecimento e morte de abelhas, o professor Lionel Gonçalves, com o auxílio da 6P Marketing & Propaganda Ltda e do Cetapis, desenvolveram há três meses um site que monitora a quantidade de abelhas.
O Bee Alert, desde a sua criação, já conta com 46 registros de apicultores brasileiros, em oito Estados. “O site já registrou a perda de mais de 100 milhões abelhas, e espera-se que este número seja ainda maior. Através da área identificada no mapa mundi, dá para verificar as possíveis causas, e apontar soluções para os apicultores”, explica Gonçalves.

Quantidades diferenciadas
As abelhas, além do importante papel da polinização, também produzem geleia real, própolis e cera. Mas o produto mais conhecido e procurado ainda é o mel. A diferença, aqui, recai sobre a produtividade das chamadas abelhas africanizadas ou europeias, em comparação com as “nativas”.
A abelha mais conhecida e comum é africanizada ou europeia, que possui ferrão. Já as sem ferrão ou meliponineas, conhecidas como nativas, possuem mais de cinco mil espécies só no Brasil.
Mas qualquer uma delas, com ou sem ferrão, desempenham as mesmas funções. O que as diferencia é a produtividade de mel. Uma colônia com ferrão produz muito mais mel do que as que não tem. “A abelha-jataí chega a fornecer, no máximo, dois litros de mel por ano, enquanto a africanizada pode dar até 100 litros a cada florada”, compara o empresário e apicultor Oswaldo Baldoni.
Os méis comercializados com maior frequência são os de laranjeira, eucalipto e flores silvestres. Os apicultores usam as floradas destas plantas para promover a produção. Já as abelhas nativas são “mais livres”. O mel que produzem é encontrado nas florestas e, de certa forma, são muito mais raros que os demais.
O antropólogo Edson Luís Gomes descobriu, há cinco anos, o mel produzido pelos índios da etnia Mehinako, que vivem no Parque Indígena do Xingu, no norte do Mato Grosso. Não se sabe a abelha produtora e nem tampouco a planta que serve de base para a produção.
Mas sabe-se do grau de sua pureza. “Os índios coletam da forma mais primitiva, vão até a floresta com tochas de fogo, sobem no topo das árvores e descem com os favos”, explica.
Segundo Gomes, este mel é produzido apenas uma vez ao ano, no período de junho a julho. “Lá não se tem um número “x” de abelhas, como é o caso dos apicultores. Por isso é uma produção reduzida e muito artesanal”, compara.

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